Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 4 de março de 2015

que país é esse...

Só por força de expressão e hábito nossos representantes em Brasília podem ser chamados de “nossos”. Abertamente e sem qualquer rebuço ou constrangimento, legislam em causa própria, brigam feito galos em rinha o tempo todo pelo poder, que se torna o condutor único de sua ação, uma causa em si. Os presidentes da Câmara e do Senado representam “apenas” (mas isso diz tudo) o que essas duas casas se tornaram — de forma alguma os eleitores, a nação, aqueles que lá os colocaram para... Para que mesmo?

terça-feira, 3 de março de 2015

a curva de cada dia

Em momentos de maior aflição, procuro Deus. Por atavismo, começo a rezar o pai-nosso: “Pai nosso que estais no céu...” Mas dura bem pouco minha intenção. Não consigo dizer “seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu.” Se eu quisesse me demitir de minha vontade, de meus desejos, seria outra minha vida, não estaria aflita pelo que me aflige. Provavelmente eu seria outra, em perfeita comunhão com Deus. O que é Deus? Quem é Ele? Isso a que chamam destino certamente se impõe, está se desenhando em mim, vai além da morte. Por enquanto, tenho a ilusão de que participo de sua caligrafia, pelo menos. E não quero chamar Deus de Destino. 

domingo, 1 de março de 2015

Orides Fontela

ERRÂNCIA

Só porque
erro
encontro
o que não se
procura

só porque
erro
invento
o labirinto

a busca
a coisa
a causa
da procura

só porque
erro
acerto: me
construo.

margem de
erro: margem
de liberdade

FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.202.