Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 13 de novembro de 2010

após as onze: "Wild Wild Life"

Bob Dylan & Tom Petty - "Knockin' On Heavean's Door"

Beat the Devil (EUA, Tony Scott, 2002)

belo postal dos anos 80: Janaína

Rainer Maria Rilke: Sonetos a Orfeu

I, 22

A nós, nos cabe andar.
Mas o tempo, os seus passos,
são mínimos pedaços
do que há de ficar.

É perda pura
tudo o que é pressa;
só nos interessa
o que sempre dura.

Jovem, não há virtude
na velocidade
e no voo, aonde for.

Tudo é quietude:
escuro e claridade,
livro e flor.

RILKE, Rainer Maria. Coisas e anjos de Rilke. Trad. Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2007, p.155.

Emily Dickinson: "Witchcraft"

Na História as bruxas foram enforcadas
Porém eu e a História
Temos os bruxos de que precisamos
Todo dia entre nós ―


Witchcraft was hung, in History,
But History and I
Find all the Witchcraft that we need
Around us, every Day ―


DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.258-259.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Viajo Porque Preciso...

No filme Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, o protagonista, o geólogo José Renato, faz um ir e vir constante entre as fissuras do solo que estuda e as próprias. Um interlocutor atento ponderou: não é metáfora. O sonho que o geólogo relata, vendo-se submetido a uma cirurgia do cérebro em que o médico vai retirando, aos poucos, pedaços do corpo da mulher amada, é sintomático de que a fissura é dele, é ele, projetada nas imagens exteriores. Insuportável. De tal forma que faz ele desejar largar tudo e se perder num labirinto, num labirinto sem saída. Não à toa nunca vemos o narrador-protagonista, apenas as imagens projetadas por sua mente enquanto ele narra o percurso de sua viagem sem volta. O filme tem uma densidade que faz suspeitar muita coisa.

Machado de Assis: memória de uma leitura difícil

Nada me fez tanto mal quanto ler Machado de Assis (nem mesmo Kafka), mas foi um mal necessário. Refiro-me a Memórias póstumas de Brás Cubas. Na primeira vez que li o livro, informada pelos valores da igreja católica, não vi nada além da órbita moral: havia seres egoístas no mundo, dos quais era melhor se precaver. Da segunda vez que li, cerca de cinco ou seis anos depois, e já evadida da igreja, recebi em cheio a porrada que esse livro é, sem dó nem piedade, e odiei Machado de Assis. Como era possível aquele aviltamento todo, para não dizer total, da condição humana? Ninguém escapava. Eu seria como aquele verme que, não obstante todos os sofrimentos, ainda assim desejava viver? Foi assim que li o livro, ou que o livro me leu. Da terceira vez, já refeita da refrega, e a estudar para a prova do mestrado, li pelas lentes de Roberto Schwarz, a coisa do mestre na periferia do capitalismo, e percebi alguma redenção possível, além das flores do mal, conspícuas ao longo da trama. Hoje, se pegasse o livro de novo, talvez desse boas risadas do ridículo daquilo tudo, inclusive o meu. É que esse livro é uma enorme gargalhada na cara do leitor.

trecho de conversa: "escolhas"

“A vida nos impõe escolhas, que não são propriamente escolhidas, e que muitas vezes não conseguimos abandonar pelo caminho.” Em resposta a: “Fiz escolhas, não sei se tenho escolha... vejo a vida me empurrando para frente, não sei para onde.”

país do futuro

Há sempre um consolo: o Brasil já foi pior. Milícias anti-aborto (e milícias portando armas nas comunidades), jovens-classe-média-alta-paulistanos incitando o ódio aos nordestinos, o Enem vindo abaixo após sucessivos escândalos, a polícia-de-sempre-atira-primeiro-pergunta-depois, o mal-disfarçado racismo contra os negros ― para tudo isso há um consolo: o Brasil já foi pior. O que mudou é que não dá bem pra saber. Ah, sim, a (relativa) liberdade de expressão, além de uma tímida melhoria na distribuição de renda (embora continuemos figurando bem mal no Índice de Gini, um dos mais elevados do mundo). No mais, continuamos no mesmo país do você-sabe-com-quem-está-falando, também chamado de democracia. Abertos os ouvidos, a História desse país vai-se contando, nos detalhes, nas conversas miúdas do cotidiano. E assusta. É tão difícil, por vezes, acreditar, que fica relativamente fácil entender o trabalho de varre-memória-para-debaixo-do-tapete, que as vanguardas não se cansam de perpetrar. O que sabe a geração de hoje sobre o país do futuro? O que sei eu sobre a geração de 68?

Na segunda se volta ao trabalho
Torquato Neto
 (publicado em 13/12/1971 – 2ª feira)

Pois eu vou contar uma história.
Sem pé nem cabeça: você sabe com quem está falando? Eu respondi que não e a autoridade mostrou-se ofendidíssima. Foi por isso que explicou assim:
― Polícia.
Ora, eu agradeci, mostrei meus documentos, o cara conferiu que tudo era legal e estava em ordem e em seguida iluminou-se:
― Ora, bicho, esse teu cabelo está muito grande.
Aí eu fui alugar um apartamento para morar. Quem não precisa de um? Quando a gente mora só e tem quem convide, a gente aceita e evita o vexame. Mas quando a gente tem família, o jeito é aquele mesmo: primeiro enfrentar os porteiros olhando desconfiadíssimos para a minha cara enquanto entrega as chaves. Vai a descarta:
― Acho que nem adianta alugar. Parece que já está alugado.
Pelo telefone os caras não me vêem, de modo que a informação é batata.
― É conversa do porteiro.
― Aí eu fui lá, acertar a transa, assinar os papéis e tal. Aí o cara olhou para a minha. Aí ele conferiu muito e aí ele decidiu:
― Tem gente na frente.
Aí eu saí na rua. Primeiro na Tijuca, onde as pessoas se divertem olhando. Depois na cidade, onde as pessoas me cercaram na Rua da Assembléia e gritaram corta o cabelo dele e tal. A gente pensa: vou tomar muita pancada dessa gente.  Eles olham com ódio para o meu troféu. Meu cabelo grande e bonito espanta, espanta não, agride (a tal palavra) e eu me garanto que eu não corto.
História de cabelos...
Um cara suado e de gravata, cara de ódio, passa por mim na Conde de Bonfim, cara de uns quarenta anos, cara de pai de família classe média típico nacional, passa no seu fusquinha e quando me vê dá um berro:
― Cachorro cabeludo.
Inteiramente maluco, o cara. Doido de pedra. Ou não?
Desci do ônibus e saí andando pela Gomes Freire. Vinha uma senhora gorda fazendo compras com um garoto pequeno e um tipo ― filho com jeitão de funcionário público sei lá de que quê. De longe, enquanto eu vinha, eles já sorriam e cochichavam tramando. Eu vi. Bem na minha frente os três pararam e a vanguarda do movimento adiantou-se ― era o garotinho.
― É homem ou mulher?
Eu respondi.
― Mulher.
O rapazinho, o outro, gritou. Atenção: gritou.
― Cala a boca, cabeludo desgraçado.
A mulher deu uma gargalhada e eu passei.
Inteiramente malucos, doidos varridos, doidos de pedra. Ou não?
Aí, crianças, a gente declara novamente: são uns malucos. São uns loucos. São uns totalitaristas: cabeludo não entra. São uns chatos, são loucos, totalmente loucos, e perigosos. É assim que eles estão: doidos, malucos, loucos e perigosos. Ou não?

NETO, Torquato. Os últimos dias de paupéria. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Max Limonad Ltda., 1982, p.199-200.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Chico Buarque - "Porque Era Ela, Porque Era Eu"


FM, Chico Buarque, Drummond

Aqui no Rio de Janeiro uma forma de transporte alternativo aos coletivos são as vans. Numa cidade com déficit de transporte público de qualidade elas proliferam. E aí ocorre uma particularidade interessante: trata-se de uma viagem com trilha sonora... de FM. E é curioso como as músicas são facilmente reconhecíveis, no mesmo movimento em que são imediatamente esquecidas. Chico Buarque: "Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha. Que maravilha." 

Rubem Braga: frases

FRASES ― Quando o nosso bravo Pedro I gritou, “do Ipiranga às margens plácidas”, seu famoso Independência ou Morte, não faltou quem atribuísse o grito a outros autores. Em todo caso, os historiadores da Independência dos Estados Unidos sempre citam uma frase de Patrick Henry, na Câmara da Virgínia, em 1975 ― Give me Liberty or give me Death.
Em carta ao Rei, La Bruyère, em pleno século XVII, dizia que a França era um vasto hospital; a mesma frase, com referência ao Brasil, foi muito citada como sendo de Miguel Pereira, se não me falha a memória.
Durante o Estado Novo, foi creditada a Getúlio Vargas uma belíssima frase ― “Só o Amor constrói para a Eternidade”, que afinal também era traduzida ― parece que de Augusto Comte.
Num romance de Guimarães Rosa, o personagem narrador diz, volta e meia, que “viver é muito perigoso”. Um escritor mineiro localizou a mesma frase em Goethe. Era muito do Rosa, essa mistura de Goethe com sertanejo.

BRAGA, Rubem. Recado de primavera. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p.86.

Vitor Ramil: Deixando o Pago

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vitor Ramil, délibáb, milongas...



Não conhecia o trabalho de Vitor Ramil, sequer sabia de sua existência. Foi um amigo do sul que me falou dele, ano passado, pela primeira vez. Ontem tive a oportunidade de conferir seu show, lançando o disco Délibáb. Há comentários muito bons sobre o novo trabalho do cantor e compositor gaúcho, em parceria com o excelente músico argentino Carlos Moscardini (como aqui), de forma que posso me dispensar de detalhes para dizer que as canções do novo disco, que na verdade são poemas de Jorge Luis Borges e  João da Cunha Vargas musicados, são lindas. E aí entra o délibáb, palavra de origem húngara que significa algo como ilusão ao sul, miragem. Esse imaginário aparece na melancolia das canções, na voz suave e ao mesmo tempo potente de Vitor Ramil, no violão preciso marcando a cadência dos versos e da voz. 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

a música do Magaiver (Tom Sawyer)


[eu adorava o Magaiver, mas o herói projetado por esta música está além dele]

a pedra bem pode pôr-se a rolar


Cláudio Manuel da Costa

Soneto VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos,
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos e penedos,
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh! quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando,
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

Fonte: ALCIDES, Sérgio. Estes penhascos: Cláudio Manuel da Costa e as paisagens de Minas. São Paulo: Hucitec, 2003, p.146-147.

Uma Noite em 67 (Brasil, 2010)


O CQC cercou, tempos atrás, Chico Buarque na rua, que se esquivou como pôde. A dada altura, o repórter abordou-o nos termos: docinho de coco da MPB, amado pelas mulheres, beijado pelos homens... É verdade. Chico Buarque de Holanda é das poucas unanimidades deste país. Nesse sentido, o documentário “Uma Noite em 67” é imperdível, pelo registro de um momento em que aquilo que chamamos hoje MPB, sem saber ao certo o que é isso, mas que tem na música de Chico Buarque sua melhor expressão, estava se engendrando. À parte a comicidade de tudo, do antológico violão quebrado, há que se notar a cafonice de Roberto Carlos (ele melhorou muito, desde então), as perguntas sem noção dos repórteres, Caetano Veloso parecendo meio perdido nas falas de então, a fala de Edu Lobo, cujo “Ponteio” venceu o festival, a fala dos organizadores, e sobretudo as falas (ontem e hoje) de Chico Buarque ― ele já sabia, então, que era Chico Buarque de Holanda.

Manuel Bandeira

Mulheres

Como as mulheres são lindas!
Inútil pensar que é do vestido...
E depois não há só as bonitas:
Há também as simpáticas.
E as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto:
Uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha.

Como deve ser bom gostar de uma feia!
O meu amor porém não tem bondade alguma.
É fraco! fraco!
Meu Deus, eu amo como as criancinhas...

És linda como uma história da carochinha...
E eu preciso de ti como precisava de mamãe e papai
(No tempo em que pensava que os ladrões moravam no morro
[atrás de casa e tinham cara de pau).

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.126.

a vida representada em papel... de teatro

“Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei por achar, era uma só coisa ― a inteira ― cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver ― e essa pauta cada um tem ― mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser a certa. Aquilo que está encoberto; mas, fora dessa consequência, tudo o que eu fizer, o senhor fizer, o que beltrano fizer, o que todo-o-mundo fizer, ou deixar de fazer, fica sendo falso, e é o errado. Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e visível mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador ― sua parte, que antes já foi inventada, num papel...”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p.370-371.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Manuel Bandeira: uma tradução de Joaquim Manuel de Macedo

“A outra ‘tradução’ era do ‘Adeus de Teresa’ [trata-se da recriação de um poema de Castro Alves]. Num comentário, de humour muito sofisticado, dava o meu poema ‘Teresa’ como ‘tradução tão afastada do original, que a espíritos menos avisados pareceria criação’. Na semana seguinte voltei ‘traduzindo’ estes versos do autor da Moreninha:

Mulher, irmã, escuta-me: não ames.
Quando a teus pés um homem terno e curvo
Jurar amor, chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher: ele te engana!
As lágrimas são galas de mentira
E o juramento manto da perfídia.

Bem, dessa vez eu queria mesmo brincar falando cafajeste, e a coisa foi apresentada como ‘tradução pra caçanje’:

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA

Piadas... diz Bandeira, piadas.

BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. [1954] Poesia completa e prosa. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009, p.596-597.

Desirella: um conto de fadas moderno e sombrio


Até onde vai a obsessão pela beleza, o desejo de ser bela?

Prêmios (fonte: Porta-Curtas)
Melhor Curta - Prêmio da Crítica no Cine Ceará 2004
Melhor direção no Cine Ceará 2004
Melhor Trilha Sonora no Cine Ceará 2004
Melhor vídeo no Cine Ceará 2004
Melhor Animação no Festival de Belém 2004
Melhor Trilha Sonora no Festival de Belém 2004
Prêmio do Público no Festival de Cuiabá 2004
Prêmio Especial do Júri no Festival de Cuiabá 2004
Melhor Ficção no Festival de Gramado 2004
Melhor vídeo no Festival de Gramado 2004
Prêmio Porta Curtas no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema 2004
Prêmio Especial do Júri no Festival Latinoamericano de Vídeo de Buenos Aires 2004
Melhor Direção de Arte no Vitória Cine Vídeo 2004
Melhor Animação no Festival de Video de Santa Maria 2004
Melhor Roteiro no Festival de Video de Santa Maria 2004
Melhor vídeo no Festival de Video de Santa Maria 2004
Melhor Animação - Hors Concours no Festival de Vídeo de São Carlos 2004
Melhor Animação no Guarnicê de Cine e Vídeo 2004
Melhor Animação no Jornada de Cinema da Bahia 2004

apenas mais um ingrediente de minha incurável rebeldia

domingo, 7 de novembro de 2010

Chico Buarque - "Piruetas" (uma música leve para fechar o dia)

[antigamente, a essa hora, domingo à noite, passava Os Trapalhões]

Chico Buarque - "Homenagem ao Malandro"

Dilma Rousseff: o argumento agora é a solidão

O povo da f. de sumpaulo não dá trégua. O argumento agora é a solidão. Incapazes de admitir que terão na presidência uma mulher, continuam a buscar alvos (miras) para sua sibilina venenosa. É o que se propõe o tal do Josias, homem muito ciente de si e de seus arredores, pelo visto. Curioso que jornalistas podem prescindir de dar explicações sobre a própria vida, mesmo quando se envolvem com o poder (todos sabem da história do filho que certo ex-presidente tem com uma jornalista, não por caso atualmente radicada na Europa), mas uma mulher na presidência, se não tiver a vida devassada, não é Brasil, não pode ser uma “democracia”. Segue a pérola do tal:

Primeira-mãe: ‘A verdadeira Dilma Rousseff sou eu’

O Alvorada, palácio que servirá de moradia para Dilma Rousseff a partir de janeiro de 2011, é um monumento de mármore e vidro. Excluindo-se o anexo de serviço de 1.800 m², tem área construída de 7.300 m². Dispõe, por exemplo, de:

Salão de banquetes, biblioteca, cinema, academia de ginástica e até capela ― ambiente que orna com o timbre beato assumido pela nova inquilina.

É espaço demais para uma mulher que, além de viver só, está na bica de descobrir que o pior tipo de solidão é o exercício da Presidência.

Para suavizar o convívio consigo mesma, Dilma levará para o Alvorada uma companhia que dispensa diplomas e concursos públicos: a mãe. Chama-se Dilma Jane, 86 anos. Em conversa com a repórter Maria Lima, apresentou-se: “A verdadeira Dilma Rousseff sou eu, a Dilminha é Dilma Vana”.

“Dilminha nunca me deu trabalho”, diz Dilma, a autêntica. “Toda filha escuta a mãe. Só não escuta mais quando não precisa”. Na década de 70, Dilminha deixou Dilma preocupada:

“As preocupações começaram quando ela foi defender o país contra a ditadura. Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo quando ela foi presa..." "... Nunca falei nem pedi para ela deixar de fazer as coisas dela. Quando descobri, ela estava naquilo. E presa”.

Depois de uma campanha caracterizada mais pela troca de ataques do que pelo intercâmbio de ideias, Dilma diz não guardar mágoa dos rivais de Dilminha: “Mágoa de jeito nenhum! Isso faz mal. Prefiro falar que acabou. Passou. Agora vamos pensar só em coisas boas”.

Só coisas boas?!?!? Pelo jeito, a “verdadeira Dilma” ainda não foi apresentada ao PMDB, ao PT e ao etcétera de aliados que injetam na solidão de Dilminha a convivência diuturna com a emboscada.

Vamos ver como ficarão as emboscadas da imprensa. Pelo visto, elas já começam antes mesmo da nova presidente pisar o Alvorada, a qual, diga-se, já foi apresentada à imprensa.

meninos e meninas

Um grupo de garotos, para implicar com um dos colegas, colocou em suas costas, sem que ele percebesse, uma folha com os dizeres "sou gay", em letras garrafais e com tintas fortes. Vi o menino, um garotinho adorável, rodando pela sala com aquele "anúncio" afixado às costas, e imediatamente, mas de forma sutil, retirei, amassei e joguei fora. A cena em si era bastante cômica, pela absoluta inocência da personagem em questão. Uma colega, ao ouvir o relato, disse que teria chamado a atenção da turma. De forma alguma. Seria expor ainda mais o menino. Melhor não levar tão a sério brincadeiras de crianças.

Miséria - Titãs

[eles ainda não sabiam que iam gravar o Roberto Carlos]

luxo supremo

Chega uma certa altura da vida em que o cidadão (ou cidadã) pode dar-se ao luxo (ou dar-se o luxo) de escolher as bobagens que vai ouvir (lato sensu) daí por diante. É o caso desta que vos escreve, sem ter a menor noção de quem seja esse "vós". É preciso, minimamente, que a bobagem divirta, traga algum humor. Bobagens aborrecidas (e gente idem) ficam para trás, na fase do test drive, em que a pessoa pensa que está ensaiando para a vida, e faz algumas concessões, quando na verdade a vida, que é sempre vida, está a toda. Um amigo, polido e cioso da linguagem a se empregar com damas, me escreveu recentemente, em expressão cifrada, uma alusão aos chatos em enésima potência  falávamos evidentemente de terceiros. E olha que eu sou chata. A diferença é que sei disso. Assim como sei que a maior parte do que escrevo são bobagens. Mas escrevo pelo puro e simples prazer de escrever. E descobri que a vida não é ensaio numa experiência muito simples: andar de avião. Simplesmente perdi o medo, é como estar em outro lugar estando aqui mesmo. Fui ao limite de mim mesma, aos confins do que até hoje experienciei como "humano" (dizer "confins do humano" seria por demais presunçoso), ao me impor algo cuja simples ideia se me afigurava insuportável. Estive lá, não sei bem onde, a não sei quantos pés de altitude, pés apoiados em solo falso. O solo aqui embaixo também é falso, e estou deixando um pouco os pés me guiarem.

humores da língua II

Quando Costa e Silva era candidato (!) à Presidência da República, um jornalista lhe perguntou:
― Se houver adversário, o senhor disputa?
― Digo.

Do mesmo personagem conta-se a seguinte anedota: tendo ido aos Estados Unidos quando candidato, no momento do desembarque viu uma faixa em que se lia WELCOME COSTA E SILVA. Vendo-a, parou e, instado a desembarcar, teria dito: “Só se prenderem o Wel”.

Informa Sírio Possenti, fonte das anedotas: “O ex-presidente em questão teve a seu tempo fama de homem simplório (haja eufemismo!).” Haja redundância!

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1988, p.74-75.